Sessão Vinho – 2015

Em abril de 2015 fiz 33 anos – idade de cristo. Fiz então esta sessão coletiva com as minhas chagas amorosas. Pedi para 33   homens que passaram pela minha vida afetivamente e/ou sexualmente para me presentearem com uma foto com algo vinho nela.
Muito feliz por tantos amores que se disponibilizaram em registrar estes nossos encontros.

MINHAS 33 CHAGAS

“… ele me atingiu com um tiro no peito. meu corpo foi lançado do alto do mirante. fiquei surpreso quando percebi que a minha queda havia demorado meses e que quando cheguei ao solo, ele ainda estava lá. com os olhos arregalados, desarmado e pronto para me acompanhar.”
chaga 1 – Rafael

“… quando ele chegou, eu vestia um maiô. não era de lycra, era de algodão. era de camiseta velha amarrada embaixo. no corredor ele me deu uma facada no ombro, para ver se a minha pele também era feita de algum outro tecido feito de releitura.” chaga 2 – Diego

“… eu não estava na minha cidade, estava na sua. no seu bairro, na sua mesa de bar. não foram os meus amigos de trabalho que me deram oi, foram os seus. quando você torceu o meu cotovelo, abriu nele um buraco enorme, e então recebi a noticia que uma tempestade estava por vir. fui para sua casa.”
chaga 3 – João Pedro

“… atravessando com a faca o meu tronco ele chegou com sua boca bem próxima da minha, enquanto o comparsa dele vinha por trás. eu estava encurralado. o crime foi cometido por violenta paixão. ele foi condenado na Vara Criminal do Juri da Penha.”
chaga 4 – Guilherme

“… a primeira chaga na mão apareceu quando eu o cutuquei no cinema e pedi para que ele me encontrasse lá fora. no começo era um pequeno ferimento. depois que saímos do banheiro entendi que aquele prego colocado no meio da palma já estava infeccionado.”
chaga 5 – Daniel

“… várias pessoas assistiam um curta pornográfico na sala, e no banheiro escondido saia uma luz verde. os contornos destas luzes faziam com que a chaga da minha mão esquerda aparecesse ainda mais. e o que era pequeno, ficou enorme.”
chaga 6 – Diego

“… eu bebi vinho com cada um dos doze apóstolos. uma garrafa para cada. um se mostrou sedutor na rampa. outro melancólico no escritório. outro emocionado na sala de cinema. outro excitado perto do meu rosto. por aí vai. cada um fez um corte no meu pulso, como tentativa de suícidio alheio. mas a ficção não deixou a veia estourar .”
chaga 7 – Gus

“… era só uma festa. mas a musica estava boa demais. e tinha tanta gente, por isso tínhamos que ficar apertado, esfregado. enquanto seu comparsa passava a navalha horizontalmente no meu tronco eu me surpreendi com o pulso cortado que ele me provocou. e ele se surpreendeu com o que aconteceu dentro da sua calça.”
chaga 8 – Acacio

“… o prego era martelado no meu pé semanalmente. e o que era discutido era se o sangue era falso. obviamente que ele havia sido pintado, mas a representação daquilo era baseada em algo superficial ou reverberava em reais chagas vividas? já faz um ano que eu não o encontro naquela sala. hoje ele mora em Évora e intitulou a sua foto como Baco encontra Freud.”
chaga 9 – André

“… estava no terreiro que ele frequentava. algo fez com que eu saísse de perto dele, e umas vozes dissonantes me diziam sobre aquela chaga no meu pé. O caboclo indagou: o que você quer com ele?, e aquele que me apoderava bradou: quero levar o cavalo embora, comigo. ”
chaga 10 – Rodrigo

(ele foi o único que não me mandou a foto)

“… quando estávamos dentro da piscina, e descobrimos que os nossos quereres eram diferentes, senti uma casca do meu joelho se soltando. nos secamos, fomos dormir e o gato fez com que a minha rinite ficasse atacada e que nada mais acontecesse depois. ”
chaga 11 – Gui

“… o que você achou daquela cena onde os dois estão no café, o menor em pé e o maior sentado? acha bonito o que houve naquele momento? o menor achou uma delícia, o maior ficou constrangido, mas tem a ver com a ideia geral do filme. Só não entendo o desenho daquela chaga no joelho. O que é aquele negócio branco no meio?”
chaga 12 – Igor

“… eu lembro que ele chegou de chapéu e camisa vermelha. lembro também que onde estávamos tinham grades para ninguém nos assaltar. era no centro de São Paulo. perto de uma igreja. bem perto de mim. mesmo assim fui surrupiado por ele mesmo. retirou o meu apêndice, parte não muito importante para o organismo, mas que é capaz de causar dores fortíssimas quando inflama. ele sempre me salva.”
chaga 13 – Aton

“… eu estava na sacada e ele chegou andando de bicicleta, usando boné e meia alta. restaurante, parque, casa de amigo, hotel, ccbb, minha casa, minha peça. nossos aniversários. sem a existência de jogos entre dois arianos, o chupão no pescoço foi consentido. foi simples assim.”
chaga 14 – Domingos

“… o foco era a foto. e no meio da sessao ele me deu um tapa e eu escrevi no peito dele. depois ele beliscou outras partes e me declarei em sua bunda. após vários hematomas, descobri seu piercing no seu saco escrotal, então redigindo no seu falo, não suportei e fui reclamar dos golpes proferidos por ele. ele então levantou a perna, me impedindo de continuar.”
chaga 15 – Daniel

“… quando entrei no buraco do tatu dei um beijo de supetão. oh seu moço, não cutuca esse buraco. mas eu estava interessado no que sobrou da antiga mata. e no breu da noite, enquanto o sapo geme, ele me deu uma facada no ombro, dizendo que estava pensando na razão dele estar ali. para mim era simples, para ele não. eram ovos de um bicho de cá que estava para nascer. oh,  vinhos.”
chaga 16 – Xavier

“… eu estava ruivo e nu e o esperava dentro de um banheiro verde. mulheres nos espiavam pelas frestas da porta e janela. enquanto eu poetizava rimas sexualizadas ele escrevia no meu corpo com caneta branca. alguns meses depois, eu já estava moreno novamente, e com outras partes do seu corpo ele desenhou novas cicatrizes no meu.”
chaga 17 – Alexandre

“… passamos muito tempo tendo relacionamentos virtuais, discussões e paqueras in box. daí aos poucos vão surgindo hematomas no seu corpo sem explicação, pois contato não houve. bom mesmo é marcar de ir no motel, e ver o outro rir das suas besteiras. deixar seu olho negro se encantar com os olhos claros dele. na real, sem mensagens.”
chaga 18 – Felipe

“… o tiro que nunca era dado já foi superado, mas as várias navalhadas no peito persistem em ficar. foram dadas dentro do seu carro. foram tantas e ininterruptas que dobrei meu tronco e cai com a cabeça no seu colo. o caminho foi tortuoso até chegar a sua casa. e o corte que vai demorar para cicatrizar foi aquele dado enquanto minha boca encontrava o seu cotovelo.”
chaga 19 – David

“… primeiro vi o olho verde na sessão verde, depois vi a barba preta na sessão preta, depois para a sessão roxa tive que ver o seu orgasmo. ele não mora no Rio, eu também não. não era a casa dele, também não era a minha. eu não podia ir até o fim, então o que sobrou foram hematomas generalizados.”
chaga 20 – Daniel

“… esta chaga nasceu na boca pela ausência do beijo. nos penetramos facilmente, em espaços urbanos, labirintos, museus de ipirangas, casa de médico, vilas da perfiferia. tiramos a roupa, fazemos o outro chorar, nos declaramos. e os lábios continuam intocados, como dois meninos que antes do coito preferem conhecer melhor o outro.”
chaga 21 – Daniel

“… a parede era laranja, a cabeceira da cama verde, o cobertor de oncinha e a camiseta molhada de várias cores. o chão estava gelado e a pele quente. a arma não era uma pistola, mas foi certeira no alvo. dizem que o problema do tesão é a cabeça que o controla demais. mas depois de um tiro, ela não pode fazer mais nada.”
chaga 22 – Clayton

“… eu tinha dúvidas se aquilo poderia ter sido um estupro. trocando mensagens vi que estava tudo bem. na volta da praia me lembrei da volta da sua casa. você se declarou inseguro, com medo, exatamente como eu fiquei naquele primeiro dia. aquilo poderia ter acontecido? foi como uma mordida de dobermann no meu ombro esquerdo, sem permissão.”
chaga 23 – Marcelo

“… esta é chaga antiga, embolorada pelo tempo. e por várias razões gosto de tê-la ali, sem ser cicatrizada. nos esbarramos, nos contaminamos. houve um pouco de sujeira. mas já estávamos acostumados. infância sentimental boa para sempre ser revisitada. quase tudo começou aqui.”
chaga 24 – João

“… ele perguntou se poderia levar caldos. eu estranhei, mas disse sim. ele chegou e eu continuei não entendendo o que estava acontecendo. minha pele ficou desconcertada, entregue. minhas mãos se afundavam no seu cabelo pedindo que ficasse por mais tempo. ele foi embora e eu me empanturrei com os caldos, daí entendi tudo.”
chaga 25 – Felipe Daniel

“… era para ele ter subido direto, mas ele parou na recepção. tive que inventar desculpas para deixarem ele ficar. ele me entregou a carta e era para ler longe dele. eu desobedeci, ele ruborizou e saiu. era para pegarmos um ônibus, mas acordamos tarde. fomos de taxi ele quis pagar e eu não deixei. era para ele falar amenidades mas me contou suas histórias mais particulares antes do tchau. sinto dores no cotovelo pelas suas delicadezas.”
chaga 26 – Luan

“… estava muito quente. exageradamente. e não era só por serem três na mesma cama. o suor de um se confundia com a saliva do outro. caia do fio do cabelo e respingava na virilha. a casa era pequena, parecia de boneca. e os seus cicerones me guiavam para todo canto dela. até que a definitiva paulada veio, perto da nuca. os três desfaleceram.”
chaga 27 – Breno e Sérgio

“… quase não vou para balada, e fui porque estava recém-separado. sem mãe, sem marido. aquela sessão vinho antiga já não fazia mais sentido. daí fui experimentar a tão famosa liberdade. dançava bastante, ele também. nos beijamos. dormimos juntos. nos vimos algumas vezes e depois não mais. e assim comecei minha vida de solteiro novamente, com alguns chupões violentos nas costas.”
chaga 28 – Lucas

“… ele foi o primeiro explícito da minha vida sem mim. fui penetrado por uma realidade e a recontei ficcionalmente sem medo de me confundir ainda mais. e ele veio completo – disponível, carinhoso e peludo. e a cada mentira que eu digo mais chagas surgem em mim. esta chegou por trás.”
chaga 29 – Leco

“… eu nunca entendi aquela facada nas costas. ele me conheceu quando eu sambava de salto e calcinha, em prantos. e gostou. depois ele me visitou quando eu estava com barba, sobrancelha e cabelo manchados de preto. ele soube lidar. depois o vi quando eu estava com problemas anais. ele entendeu. acho que a facada foi eu que dei em mim mesmo.”
chaga 30 – Victor

“… estávamos em cartaz no mesmo teatro. ambos com peças infantis, mas não nos conhecemos ali. foi depois. quando ele foi livro meu, de escritas obscenas. ali escutei seu sotaque francês de perto, então levitei – como em suas fotos. morningstar é uma arma medieval, ele me acertou com ela, na sua protuberância esférica de espinhos. acho essencial visitar o passado.”
chaga 31 – Bruno

“… com esta chaga no centro das costas confirmo minha predileção as mentiras. não as perniciosas, mas as que me afundam cada vez mais em uma realidade inventada. coloquei a música Kiss Me, da série Dawsons Creek, no rádio. desci até a cama que ele dormia, e dei meu primeiro beijo. em 1998. minha vida sem estas 32 chagas já vividas seria infinitamente sem graça.
chaga 32 – Diego

“… em 2010 comecei a fotografar gente pelada e na mesma época comprei meu primeiro cachorro. logo ele fará 5 anos. dia primeiro de abril faço 33 anos – a idade de Cristo. minha via-crucis e minhas chagas foram infinitamente mais brandas que as dele. ele foi embora, não mora mais aqui. ele é o sujeito sem nome, que amplia para todos. não é um bicho, não é um ex, nem um mártir. mas ele bebe vinho e celebra a união de todos.”
chaga 33 – Ele