Eu não estava lá. No caminho só que eu vi o que estava acontecendo. Eu tinha opção de fugir de tudo e me esconder na periferia ou enfrentar o olho ardido do furacão. Fui ao seu encontro. Lá os vidros estavam estilhaçados, os funcionários locais angustiados, não eram policiais, eram guardinhas do metrô e tentavam no braço, segurar uma porta impedindo que ninguém saísse ou entrasse. Ofereceram-me toalhas molhadas para cortar o cheiro corrosivo do que acontecia lá fora. Pequenas frases repetidas eram ditas pelas pessoas imóveis. Era um cânone de incompreensão. Desespero a cada estampido. Lembrei-me de um dia que sai de casa com uma amiga e escutamos tiros, abaixamos e rimos, não sabíamos o que fazer – aquele não era um som reconhecido por nós. Agora é o momento de nos acostumarmos com estes sons, estes odores, e não ter tanto medo do que pode acontecer com nossa pele. Ela já está sendo desapoderada diariamente sem você perceber. Sem poder sair, voltei para dentro do início do motivo, paguei os centavos a mais, e andei dentro dele. O povo lá estava bem, voltando para as suas casas, poucos se importavam com o que estava acontecendo em cima do túnel. E mais do que a barbárie da polícia, mais do que a depredação moral, dos que estavam na luta, me deu vontade de sussurrar no ouvido de cada um: hoje desligue sua televisão, tire a roupa, e tente entender o que você é, o que você faz, e o que você só repete sem saber o porquê. Em cima do túnel existem bichos guerreando e dentro dele zumbis passivos, murmurando observações rasas, e preocupadas com os seus rabos pobres.
imagens Leandro Godinho
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