Quando eu descobri como eu queria morrer

minha mãe sempre foi velha demais. sabia que ela morreria antes das mães dos meus outros amiguinhos da escola. por ser oficial de justiça da vara criminal achei que poderia morrer com um tiro estalado no peito. mas foi infarto mesmo. fulminante. ela era tímida demais. pouco demonstrava os seus afetos. desde cedo, acho que por consequência destes fatos, achei que não iria durar muito, pensava na morte prematura. dia desses concluí que a minha morte será a admissão da loucura. não conseguirei mais compartilhar dos mesmos desejos tradicionais vigentes e minha lógica ganhará a dimensão onde realmente habitam concomitantemente declarações de ficções embaixo de temporal sobre laranjas, traições e pernas insustentadas, sexo oral acalentado por baba morna de boca grande, e olhar nos seus olhos enquanto rabisco sua pele frenética com outros diversos mil olhos. já usei aliança em um relacionamento passado, e tanto eu quanto ele a perdemos juntos no meio de um banho de mar e naquele mesmo ano encerramos nosso amor. acreditava que era Iemanjá a culpada. hoje eu entendo as sereias. foi embaixo de um chapéu sussurando meus demônios perto da sua barba cerrada, que eu admiti que seria contigo entre caudas, dúvidas, medos, impotências e afetos, que é como eu queria morrer. ele disse: está me pedindo em casamento? eu desconversei, pois aquilo era cena para a lógica dos que ainda estão por aqui.